O artigo científico “Dehiscence and fenestration in patients with Class I and Class II Division 1 malocclusion assessed with cone-beam computed tomography”, de Evangelista et al. (2010), representa um marco relevante na literatura ortodôntica ao documentar, com rigor metodológico, a prevalência e distribuição de deiscências e fenestrações em pacientes com má oclusão Classe I e Classe II Divisão 1 por meio da tomografia computadorizada de feixe cônico (CBCT).
O estudo analisou 4319 dentes de 159 pacientes sem tratamento ortodôntico prévio, classificando a presença dos defeitos de acordo com a morfologia facial (braquifacial, mesofacial e dolicofacial) e tipo de má oclusão. Os resultados têm implicações diretas sobre condutas clínicas seguras e individualizadas no planejamento ortodôntico contemporâneo.
Entendendo os Conceitos: Deiscência e Fenestração
Do ponto de vista anatômico e radiográfico:
- Deiscência alveolar refere-se à ausência de osso alveolar na região cervical da raiz, estendendo-se geralmente ao longo da superfície radicular, com comprometimento da crista óssea marginal. Em CBCT, é caracterizada pela ausência de cortical óssea vestibular ou lingual em pelo menos três cortes sequenciais, a partir de 2 mm apicais à junção amelo-cementária.
- Fenestração, por sua vez, é definida como uma “janela óssea” localizada na porção intermediária ou apical da raiz, sem envolvimento da crista alveolar. Esse tipo de defeito mantém a integridade da margem óssea, mas pode ser igualmente desafiador do ponto de vista periodontal.
Essas alterações podem predispor a recessões gengivais, perda de inserção periodontal e até comprometimento da estabilidade pós-tratamento ortodôntico.
Para compreender melhor a distinção anatômica entre uma cortical preservada e um defeito com envolvimento marginal, observe a ilustração ao lado, que representa a crista óssea alveolar em duas situações clínicas distintas.
Figura – Representação tridimensional da crista óssea alveolar. À esquerda, cortical óssea íntegra; à direita, deiscência com envolvimento marginal da crista óssea vestibular.
Resultados Clínicos Relevantes: o que o estudo demonstrou
- A prevalência geral de deiscência foi de 51,09% dos dentes avaliados, e a de fenestração, 36,51%.
- Pacientes com má oclusão Classe I apresentaram maior frequência de deiscências (35% a mais) quando comparados aos pacientes Classe II Divisão 1 (p < 0,01).
- Não houve correlação estatisticamente significativa com o tipo facial (braquifacial, mesofacial, dolicofacial), o que sugere que o tipo de crescimento facial não determina, por si só, a presença desses defeitos.
- As deiscências foram mais frequentes na mandíbula, especialmente em incisivos centrais (24,33%) e laterais (17,51%), além dos caninos (17,13%).
- Já as fenestrações ocorreram predominantemente na maxila (68,4%), afetando lateralmente os incisivos, caninos e pré-molares.
Para ilustrar radiograficamente as alterações ósseas descritas no estudo de Evangelista et al., observe abaixo cortes de CBCT demonstrando características clássicas de deiscência e fenestração nas superfícies radiculares vestibulares.
Figura – Cortes axiais e transversais em CBCT simulando deiscência e fenestração. Observe a ausência de cortical óssea vestibular no caso de deiscência (seta branca) e a presença de janela óssea apical sem comprometimento marginal no caso de fenestração.
Implicações Clínicas para Ortodontistas
O estudo evidencia a necessidade imperativa de avaliação da morfologia óssea com tomografia de alta resolução antes de qualquer movimentação ortodôntica planejada que envolva vestibularização, inclinações severas ou expansão da arcada.
Algumas implicações práticas:
- Evitar vestibularizações em áreas de risco (incisivos inferiores e caninos superiores) pode prevenir recessões gengivais e perda de inserção clínica.
- Em casos com deiscência preexistente, é indicado um planejamento biomecânico mais conservador e, quando necessário, a associação com procedimentos periodontais.
- A análise CBCT deve sempre considerar o terço radicular acometido (cervical, médio ou apical), o que pode impactar no tipo de movimentação segura.
- Revisar criteriosamente imagens multiplanares (axiais, sagitais e coronais) em softwares apropriados como o InVivoDental utilizado no estudo, garantindo precisão diagnóstica.
Considerações Finais: A Importância da Avaliação da Cortical Óssea na Ortodontia Baseada em Evidência
O estudo de Evangelista et al. (2010) reforça o que muitos clínicos já suspeitavam, mas agora com base científica robusta: a presença de alterações ósseas alveolares é uma realidade anatômica, não apenas uma consequência do tratamento ortodôntico.
Para garantir a integridade periodontal e a estabilidade a longo prazo, o planejamento ortodôntico deve considerar criteriosamente a topografia óssea. E nesse cenário, a tomografia computadorizada de feixe cônico se torna indispensável.
Acesse o artigo completo aqui:
📄 Evangelista et al. (2010) – American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics
FAQ – Perguntas Frequentes sobre Deiscência e Fenestração em Ortodontia
- Devo sempre solicitar CBCT antes de iniciar um tratamento ortodôntico?
Não em todos os casos. No entanto, CBCT é fortemente recomendada quando há planejamento de movimentos vestibulares significativos, pacientes adultos ou evidências clínicas de fragilidade periodontal. - Existe tratamento para corrigir deiscências antes do tratamento ortodôntico?
Sim. Intervenções periodontais, como enxertos ósseos e regenerações guiadas, podem ser indicadas em casos de deiscência severa com risco funcional ou estético, principalmente em zonas estéticas. - Deiscência é um fator limitante absoluto para movimentação ortodôntica?
Não. Com planejamento biomecânico controlado e acompanhamento periodontal, é possível realizar movimentações seguras. O risco está em realizar movimentos sem conhecimento prévio da anatomia óssea. - A CBCT com voxel de 0.25 mm é suficiente para diagnóstico de defeitos?
Sim, embora voxel menores (0.125 mm) ofereçam maior nitidez, 0.25 mm oferece resolução clínica adequada com menor dose de radiação, sendo ideal para exames de rotina ortodôntica. - Esses defeitos são reversíveis após a movimentação ortodôntica?
De modo geral, não. A perda da cortical óssea é uma alteração estrutural e não regenerativa espontaneamente, reforçando a importância do diagnóstico prévio. - Quais dentes estão mais vulneráveis à deiscência e fenestração?
Os incisivos mandibulares são os mais frequentemente acometidos por deiscência, enquanto as fenestrações predominam em incisivos laterais e caninos superiores.